Maioria dos feminicídios no RS são cometidos por companheiros ou ex que não aceitam o fim do relacionamento e acontecem na casa da vítima

Crimes ligados à condição de gênero, os feminicídios estão também intimamente relacionados aos casos de violência doméstica e familiar. É o que aponta a pesquisa feita pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) do TJRS, divulgado hoje (17/01) à tarde. Nela, foi analisado o perfil de vítimas e agressores envolvidos em 176 processos que tramitam na Vara Especializada de Feminicídios da Comarca da Capital.

Entre outros dados, o estudo apontou que, em 69% dos casos, as tentativas ou assassinatos de mulheres envolvem os ex ou companheiros atuais das vítimas. Que os crimes acontecem nas casas delas (58%), motivados pela inconformidade com o fim dos relacionamentos e por sentimentos de posse e de ciúmes. E, ainda, em 86% dos casos, essas mulheres não contavam com Medidas Protetivas de Urgência (MPU).

A apresentação virtual, via canal do TJRS no YouTube, foi realizada pela Juíza-Corregedora Taís Culau de Barros, coordenadora da CEVID-TJRS, que detalhou os dados e comentou a respeito de cada item. Ainda, contou com a presença da Corregedora-Geral da Justiça, Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, da Juíza Cristiane Busatto Zardo, que é titular da unidade especializada, além da Delegada Aline Fernandes, da Defensora Pública Tatiana Boeira e da Promotora de Justiça Carla Froes.

É uma reunião virtual. Na imagem maior, há uma mulher loira, pele clara, cabelo liso na altura do ombro, usa óculos, está conversando com outras, que aparecem em pequenos quadrados, abaixo, na tela

A Desembargadora Vanderlei destacou a preocupação da CGJ em atuar no combate aos feminicídios e à violência doméstica. Em 8 de março do ano passado, foi instalada a Vara Especializada em Feminicídios de Porto Alegre. “Ter uma Vara Especializada nos possibilita o mapeamento de dados e traçar um perfil de vítimas e ofensores. Isso ajuda a propor políticas públicas e projetos para que possamos trabalhar com a prevenção de situações que podem ser prevenidas e até mesmo evitadas para que não precisemos lamentar depois a perda de vidas”, afirmou a magistrada.

Dados da pesquisa

A pesquisa se refere a processos envolvendo crimes tentados (80%) e consumados (20%) contra mulheres. A Juíza Coordenadora da CEVID-TJRS analisou os dados levantados e ressaltou que a iniciativa vai ao encontro do recém instituído Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio (Decreto 10.9026/2021), que estabelece, entre outras medidas, a produção de dados e a gestão da informação entre os atores da rede de enfrentamento.

A idade de vítimas e de agressores é variada. A maior parte dos autores de feminicídios são jovens adultos; 78% têm entre 18 a 43 anos. Da mesma forma, entre as mulheres, 50% estão entre 20 e 38 anos.

É uma reunião virtual. Tem várias telas de computador, com uma mulher em cada uma delas. Há uma tela maior, com uma mulher de pele clara, cabelos loiros, lisos, até o ombro.

A maioria se declarou solteiro (86% dos homens e 83% das mulheres) mas, ao analisar o vínculo entre eles, grande parte são companheiros (29%) e ex-companheiros (40%). “Isso demonstra que a realidade é que os feminicídios estão relacionados não somente à condição feminina, mas também à violência doméstica”, afirmou a Coordenadora da CEVID-TJRS, ressaltando a importância de ações nessa área.

Em relação à cor-raça, entre os agressores, 63% são brancos, 20% pretos, 16% pardos. Entre as vítimas, 61% são brancas, 24% negras, 12% pardas, 1% indígenas. “Se compararmos esse dado com o Censo de 2010 de Porto Alegre, a população branca equivale a 79%. A de cor negra, 10% e a de cor parda, igualmente. Vamos verificar que os feminicídios atingem de forma desproporcional aqueles que são pretos”.

Quanto à escolaridade, a maior parte cursou até o ensino fundamental (62% dos réus e 61% das vítimas).

Outro dado que chama atenção é que somente 27% dessas mulheres têm relação de emprego (formal ou informal). “Isso demonstra a necessidade de atuação em relação a vulnerabilidade financeira das vítimas”, afirmou a Juíza. Já entre os réus, 46% indicam que têm uma fonte de renda.

Por outro lado, 53% das vítimas não se consideram dependentes dos réus. “Mas isso não afasta a questão da vulnerabilidade financeira da vítima que foi apurada na pesquisa”.

O tempo de relacionamento é disperso, sendo a média de 4,5 anos. A grande maioria (58%) não tem filhos em comum. Já 33% tem filhos juntos.

Sobre o réu, é alto o uso de álcool (53%) e de drogas (48%). No momento em que a pesquisa foi feita, 48% dos réus estavam soltos e 45% presos.

48% dos processos analisados não tinham o formulário de risco preenchido, documento obrigatório, respondido pela vítima ao chegar na Delegacia, informando todos os dados com relação ao fato e aos envolvidos. “Ele é essencial para que se analise o risco daquela vítima no momento da ocorrência policial”, explicou a Juíza a Taís.

O local onde estes crimes acontecem, na maioria das vezes, é a residência da própria vítima (58%). “Ou seja, onde elas deveriam estar mais protegidas. Isso demonstra, mais uma vez, que os nossos feminicídios estão relacionados com a violência doméstica”, considerou ela.

As armas utilizadas nesse tipo de crime são as brancas (53%), de fogo (19%) ou as próprias mãos (17%).

Outras informações apontam ainda que 58% dos réus já tiveram alguma prisão anterior, 85% respondem a outros tipos de processos criminais e 70% respondem por processos de violência doméstica. “Se destaca a necessidade de atuarmos com os grupos reflexivos de gênero porque esta é uma das formas mais eficazes de se evitar reincidência dos réus nos processos de violência doméstica”.

86% dos processos aconteceram em momento em que a vítima não tinha Medida Protetiva de Urgência vigente. “Esse é um dado de destaque porque ele comprova que MPUs salvam vidas, que são essenciais. Há uma atuação falha da rede como um todo, pois essas vítimas não conseguiram ser inseridas na rede a tempo de evitar esse crime”.

Os fatores causadores desses crimes são variados. “Mas 69% dos processos estão relacionados a términos de relacionamentos, sentimentos de posse e ao sentimento de ciúmes excessivo por parte do agressor”, destaca a magistrada.

Feminicídios consumados

Dos 176 processos, 34 envolvem feminicídios consumados. As características de perfil de réu e de vítima são muito semelhantes aos que se referem às tentativas. A maior parte são mulheres jovens de 18 a 38 anos, 63% brancas e 22% negras. Já os réus, 79% são brancos e 16% negros.

No que se refere à escolaridade, 63% das vítimas têm o ensino fundamental, assim como 55% dos réus. O tempo de relacionamento também é disperso, tendo uma média de 4,25 anos.

Igualmente, 64% dos réus já tinha prisão anterior, 82% respondem a outros processos criminais e 50% estavam envolvidos em processos de violência doméstica. 44% deles declararam fazer uso de drogas e de álcool.

No ato do crime, 85% das vítimas não tinha MPU e o mesmo percentual delas não havia preenchido o formulário de risco.

Reunião virtual. Sete mulheres aparecem cada uma em uma tela de computador. Uma delas está em destaque. Ela tem a pele morena clara, cabelos castanhos claros e compridos, usa óculos

Vara Especializada

Instalada no dia 8 de março de 2021, a 4ª Vara do Júri de Porto Alegre, especializada em feminicídios, realizou 27 júris entre os meses de junho e novembro. No encontro de hoje, a Juíza Cristiane Zardo apresentou dados relativos à unidade. Entre maio e dezembro foram realizadas 196 audiências envolvendo a instrução de 117 processos, com 68 instruções encerradas e 406 pessoas ouvidas. Foram proferidas 49 sentenças.

De acordo com a magistrada, todos os processos de presos que aguardavam plenário foram a julgamento. “A quase totalidade dos processos Meta 2 do CNJ que aguardavam julgamento foram a júri. Basicamente, considerando o número de processos recebidos pela Vara, conseguimos julgar ou instruir em quantidade, proporcionalmente”, ressalta ela.

Ainda de acordo com a Juíza, entre as dificuldades enfrentadas, está a pandemia (a unidade foi instalada no período mais crítico dos casos de COVID-19) e a falta de plenário próprio para a Vara, que depende da cedência de datas pelos outros Juizados, dispondo de, no máximo, seis datas ao mês.

Acesse a pesquisa completa clicando aqui.

Informações TJ RS.

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