Juiz dá prazo de três dias para Município de Caxias se manifestar sobre decreto que autoriza reabertura do comércio

Segundo a Rádio Caxias, o juiz Rudolf Carlos Reitz, plantonista do Fórum de Caxias do Sul neste fim de semana, descartou na noite deste sábado (01) a concessão imediata de uma liminar solicitada pelo Ministério Público, e que anularia os efeitos do Decreto Municipal nº 21.091. Com isso, momentaneamente fica em vigência o decreto publicado pela Prefeitura de Caxias do Sul na sexta-feira (31), e que determina a adoção de uma bandeira intermediária, que permite o funcionamento do comércio.

A ação do Ministério Público foi feita a pedido do Governo do Estado, que não reconhece como legal a adoção das medidas de flexibilização por cidades da Serra. O MP alegou que o Município estava classificado pelo Estado como situação de bandeira vermelha, de alto risco, que determina a adoção de medidas como o fechamento do comércio não essencial, e que a adoção de qualquer medida em contrário é ilegal. No entender do MP, não há qualquer normal estadual que estabeleça princípio de cogestão do modelo, e que poderia autorizar os municípios ou macrorregiões a enquadrar-se em termos diferentes.

O magistrado, porém, entendeu que não é possível decidir sem antes ouvir os argumentos da Prefeitura, Por isso, Rudolf Carlos Reitz concede, no despacho, um prazo de três dias (72 horas), para que o Município se manifeste sobre as razões que o levaram a adotar o protocolo diferente do que foi determinado pelo Estado.

Com isso, o comércio caxiense pode continuar funcionando até que haja nova manifestação da Justiça. No entanto, pelas próprias regras municipais, não está permitida neste domingo (02) a abertura de shoppings. Locais como praças e parques também têm restrição para utilização.

Confira o despacho do juiz Rudolf Carlos Reitz:

Processo nº 50131706420208210010

Vistos.

Inicialmente, registro que embora se trate de processo ajuizado no EPROC, o despacho é proferido, em regime de plantão, fora de tal sistema em razão da inacessibilidade momentânea ao signatário.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ajuizou ação civil pública contra o MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, postulando provimento judicial, a título de antecipação dos efeitos da tutela, para o fim de determinar a suspensão da eficácia do Decreto Municipal nº 21.091, de 31/07/2020, do Município de Caxias do Sul, estabelecendo ao requerido a obrigação de fazer consistente em observar e determinar a estrita observância das medidas sanitárias segmentadas de que trata o art. 19 do Decreto Estadual Nº 55.240/2020, conforme a classificação dada para a macrorregião de saúde a qual integra em conformidade com o Plano de Distanciamento Controlado do Estado do Rio Grande do Sul, ressaltando que a municipalidade, havendo interesse local, somente poderá ser mais restritiva do que a mencionada legislação estadual.

Argumenta, em suma, que o Município de Caxias do Sul integra a macrorregião de saúde Serra, a qual, na semana em curso, está classificada com a bandeira vermelha, conforme o Modelo de Distanciamento Controlado do Estado do Rio Grande do Sul (Decreto Estadual n. 55.383/20, que determinou a aplicação das medidas sanitárias segmentadas instituídas pelo Decreto n° 55.240). Refere a existência de tratativas entre o Governo do Estado e Prefeitos Municipais para a cogestão regional do Modelo de Distanciamento Controlado, porém o Prefeito Municipal de Caxias do Sul, antecipando-se a qualquer normativa estadual estabelecendo o novo modelo de cogestão, legislou no sentido de autorizar o município a enquadrar-se nos termos no protocolo regionalizado toda vez que a macrorregião for classificada na bandeira vermelha do Protocolo de Distanciamento Controlado do Estado do RS.

Destacou que o modelo de cogestão está ainda em fase de estudo e tratativas pelo Governo do Estado junto à FAMURS, não havendo qualquer decisão sobre a adesão ao modelo, tampouco decreto estadual prevendo as regras da gestão compartilhada com os municípios, que precisaria da aceitação dos prefeitos da região, de forma unânime, porém o Município demandado publicou o Decreto Municipal nº 21.091, de 31 de julho de 2020, que “Dispõe sobre a aplicação dos protocolos de cogestão com o Governo do Estado no Modelo de Distanciamento Controlado, definidos pelo Decreto Estadual nº 55.240, de 10 de maio de 2020”, que estipula menores restrições para os serviços e comércio de determinadas espécies, em desacordo com o Sistema de Distanciamento Controlado estabelecido pela conjugação dos Decretos Estaduais 55.240/2020 e 55.383/20.

Asseverou que os Municípios têm garantida a oportunidade de legislar suplementarmente aos outros entes federais a partir do momento em que o art. 30, I e II, da CF/88 lhes possibilita suplementar as legislações federal e estadual em assuntos de interesse local, no que couber, não devendo a legislação suplementar estadual desbordar às regras gerais estabelecidas pelo ente federal, e eventual regramento municipal deve ser harmônico com relação à disciplina estabelecida tanto pela União, quanto pelo Estado, não sendo possível que o Município edite normas flexibilizando as previsões federais e estaduais, admitindo-se tão somente o aumento da proteção através da publicação de normas de caráter mais restritivo.

Destacou que em decorrência dessas normativas, a estratégia de combate à pandemia da COVID-19, por tratar-se de um problema de saúde nacional, encontra-se sob a coordenação da União e por isso as medidas restritivas a serem adotadas nos âmbitos estadual e municipal devem respeitar os balizamentos emanados do governo federal, não cabendo ao ente local adotar regulamentação mais flexível ou branda do que a federal e a estadual, podendo apenas suplementar as medidas de controle e cuidado indicadas pelas unidades federadas maiores para restringir mais ainda alguns aspectos da vida social e econômica, em atendimento a particularidades locais.

Referiu que o controle sanitário e epidemiológico de doenças transmissíveis não é de interesse local, não tendo o município competência legislativa nessa área, seja complementar, nos termos do art. 18, XII, da Lei 8080/90, seja suplementar, nos termos do art. 30, VII da CF. Aduziu que o Decreto Municipal nº 21.091, ao flexibilizar as medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia do coronavírus, estipulando menores restrições para os serviços e comércio, em desacordo com o Sistema de Distanciamento Controlado estabelecido, apresenta-se incompatível com o disposto nos decretos estaduais referidos, e que a partir das premissas estabelecidas pela Corte Maior decorre a conclusão de que, no conflito entre normativas de entes federativos distintos, devem prevalecer as normas gerais emanadas da União e, em seguida, as dos Estados, podendo os Municípios, à luz das particularidades locais, suplementá-las apenas para intensificar o nível de proteção já conferido. 

Logo, sustenta o autor, o Município de Caxias do Sul, ao desconsiderar as limitações impostas pelo Sistema de Distanciamento Controlado instituído pelo Decreto estadual n.º 55.240/2020 e 55.383/20, deixou de respeitar as normas de distribuição de competências previstas na Constituição Federal, assim como determinações jurídicas contidas na própria Constituição Estadual.

Aduziu que o princípio da livre iniciativa é considerado fundamento da ordem econômica e atribui à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, porém a Constituição Federal não coíbe a intervenção estatal na produção ou circulação de bens ou serviços. 

Por fim, para ancorar o pleito liminar, asseverou que a probabilidade do direito repousa no descumprimento de medidas de observância compulsória, por parte do requerido, e o perigo de dano, por sua vez, decorre da própria natureza da demanda, que corre no contexto de reconhecimento de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e da declaração do estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul.

Em resumo, são essas as questões trazidas à apreciação.

O provimento judicial almejado, a toda evidência, apresenta especial relevância na medida que diz com as políticas de enfrentamento à situação de pandemia da COVID-19, vinculando-se, pois, à questão fundamental da saúde da população. 

O arrazoado expendido pelo autor efetivamente conduz à necessidade de análise sobre a legalidade do Decreto municipal hostilizado, à luz dos preceitos constitucionais invocados e também à vista do conjunto de normativas e balizamento ditados pelos Governos Federal e Estadual quanto às medidas de combate à propagação da COVID-19, já reconhecida como situação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde.

Contudo, justamente por entender-se que é necessário o enfrentamento à pandemia de forma alinhada e coordenada entre as esferas de governo, na busca dos melhores resultados possíveis para salvaguardar a saúde e a vida da população, e também levando em conta os efeitos econômicos das medidas de contenção, tenho que antes de eventual decisão judicial de suspensão do Decreto nº 21.091/2020, mostra-se recomendável que se colha preliminarmente a manifestação do Município, a fim de que possa apresentar os fundamentos, notadamente de ordem fática e técnica, que levaram a editar o ato impugnado.

Lembra-se que o art. 12 da Lei 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, estatui que poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Já o art. 300 do NCPC determina que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o § 2º do aludido artigo prevê que a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

Ao seu turno, o art. 2º da Lei 8.437/1992, a qual dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, estabelece que no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas. 

Ou seja, tanto a Lei 7.347/1985 como o NCPC contemplam a possibilidade de que a decisão liminar, inclusive especificamente em sede de ação civil pública, seja precedida de manifestação da parte adversa, ao passo que a Lei 8.437/1992 exige em sede de ação civil pública a audiência prévia do representante judicial da pessoa jurídica de direito público.

Nestes termos, a fim de melhor analisar a pretensão liminar, determino a intimação do Município de Caxias do Sul, a ser efetivada em caráter de urgência e em conformidade com o Ofício-Circular nº 16/2020-CGJ , para que, no prazo de 72h, manifeste-se sobre o pedido liminar veiculado na petição inicial.

Inclua-se a presente decisão no EPROC.

Caxias do Sul, 01 de agosto de 2020.

Rudolf Carlos Reitz

Juiz de Direito em regime de plantão

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